“QUER” OU NÃO TRABALHAR?
Ontem no Jornal Nacional (04-06-2014), “discretamente” – no meio de várias reportagens sobre a Copa do Mundo no Brasil -, foram revelados dados de uma pesquisa importante: “IBGE indica aumento de brasileiros que decidem parar de trabalhar - segundo pesquisa de emprego de abril deste ano, 17 milhões de brasileiros, em idade economicamente ativa, estavam fora do mercado por opção.”*
A leitura dos editores do Jornal Nacional é tendenciosa quanto aos dados revelados pelo IBGE. Isso já aparece no título quando é afirmado que as pessoas estariam “fora do mercado por opção”, como se houvesse uma oferta excessiva de vagas no mercado de trabalho e os indivíduos simplesmente não desejariam trabalhar mais.
Em uma reportagem no final do ano passado, num jornal português, aparecem outras explicações para as pessoas que estão fora do mercado de trabalho:
“‘Não somos preguiçosos nem piegas’
É dessa frustração que fala António (nome fictício), 25 anos. Terminou o mestrado em Engenharia Civil em 2011 e desde então a sua experiência no mercado de trabalho resumiu-se a um estágio de nove meses.”**
No ponto de vista da edição do Jornal Nacional é enfatizada a ideia de que a escolha de não trabalhar seria das pessoas e ainda:
“(...) faz um alerta: ‘Essas pessoas vão estar saindo do mercado de trabalho, vão estar perdendo qualificação e, consequentemente, na volta vão ter muita dificuldade de conseguir emprego’, diz o economista da PUC Márcio Camargo.”*
Entre as ideias passadas na reportagem da TV Globo, está a de que os jovens preferem, com a ajuda dos pais, estudar, investir na qualificação, o que seria algo positivo. São apresentados também outros motivos para explicar por que as pessoas “não querem trabalhar”:
“Os economistas afirmam que esse é um fenômeno novo no Brasil e generalizado. Vem crescendo entre homens, mulheres, jovens e idosos. E sendo assim, não há uma única razão que explique por que tanta gente está preferindo não trabalhar.
Um economista explica que as pensões e aposentadorias hoje sustentam muitas famílias. Ele diz também que os programas de transferência de renda do governo, em algumas situações, podem desestimular a procura por emprego.”
Em outras palavras, a culpa de um problema dessa natureza não seria do modo de produção capitalista que, com as inovações tecnológicas, permite a demissão e a exclusão de milhares de trabalhadores do mercado. Aliás, neste contexto, foi criado até o termo “desemprego estrutural” – quando o indivíduo perde o emprego e a profissão por causa da tecnologia – para explicar algo que seria novo e aconteceria desde a década de 1970.
Na visão da TV Globo, os responsáveis por tal “fenômeno” seriam os próprios indivíduos ou governo que ofereceria programas que “[desestimulariam] a procura por emprego.” Não é citada a responsabilidade dos grandes empresários que são, efetivamente, aqueles que lucram com o modelo atual do neoliberalismo.
Só como forma de comparação, na reportagem do jornal de Portugal é enfatizado um ponto de vista mais próximo da realidade – especialmente no que diz respeito aos jovens:
“Têm entre 15 e 34 anos e, ao contrário do que seria de esperar, não estão na escola, mas também não conseguem entrar no mercado de trabalho. Estão, literalmente, desocupados. Em alguns casos, interrompem o ciclo e fazem biscates ou trabalhos precários. Depois voltam ao mesmo. Todos sentem que estão a ser esquecidos e desperdiçados. Para todos, os dias parecem intermináveis.”
Toda essa discussão revela que a realidade aparece cada vez mais complicada para a maioria das pessoas. Mais do que isso, mostra ainda, como no caso da TV Globo, que certos meios de comunicação, ao invés de tratar o que efetivamente acontece, preferem “editar” o que seria a realidade e divulga uma versão que omite os verdadeiros responsáveis pelo problema e procura colocar nos próprios indivíduos a culpa por não trabalharem.
(*) IBGE indica aumento de brasileiros que decidem parar de trabalhar - segundo pesquisa de emprego de abril deste ano, 17 milhões de brasileiros, em idade economicamente ativa, estavam fora do mercado por opção. Jornal Nacional, 04-06-2014. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/06/ibge-indica-aumento-de-brasileiros-que-decidem-parar-de-trabalhar.html
(**) Raquel Martins. Portugal já tem quase meio milhão de jovens que não estudam nem trabalham. Público, 24-11-2013. http://www.publico.pt/portugal/noticia/portugal-ja-tem-quase-meio-milhao-de-jovens-que-nao-estudam-nem-trabalham-1613702#/0
Ontem no Jornal Nacional (04-06-2014), “discretamente” – no meio de várias reportagens sobre a Copa do Mundo no Brasil -, foram revelados dados de uma pesquisa importante: “IBGE indica aumento de brasileiros que decidem parar de trabalhar - segundo pesquisa de emprego de abril deste ano, 17 milhões de brasileiros, em idade economicamente ativa, estavam fora do mercado por opção.”*
A leitura dos editores do Jornal Nacional é tendenciosa quanto aos dados revelados pelo IBGE. Isso já aparece no título quando é afirmado que as pessoas estariam “fora do mercado por opção”, como se houvesse uma oferta excessiva de vagas no mercado de trabalho e os indivíduos simplesmente não desejariam trabalhar mais.
Em uma reportagem no final do ano passado, num jornal português, aparecem outras explicações para as pessoas que estão fora do mercado de trabalho:
“‘Não somos preguiçosos nem piegas’
É dessa frustração que fala António (nome fictício), 25 anos. Terminou o mestrado em Engenharia Civil em 2011 e desde então a sua experiência no mercado de trabalho resumiu-se a um estágio de nove meses.”**
No ponto de vista da edição do Jornal Nacional é enfatizada a ideia de que a escolha de não trabalhar seria das pessoas e ainda:
“(...) faz um alerta: ‘Essas pessoas vão estar saindo do mercado de trabalho, vão estar perdendo qualificação e, consequentemente, na volta vão ter muita dificuldade de conseguir emprego’, diz o economista da PUC Márcio Camargo.”*
Entre as ideias passadas na reportagem da TV Globo, está a de que os jovens preferem, com a ajuda dos pais, estudar, investir na qualificação, o que seria algo positivo. São apresentados também outros motivos para explicar por que as pessoas “não querem trabalhar”:
“Os economistas afirmam que esse é um fenômeno novo no Brasil e generalizado. Vem crescendo entre homens, mulheres, jovens e idosos. E sendo assim, não há uma única razão que explique por que tanta gente está preferindo não trabalhar.
Um economista explica que as pensões e aposentadorias hoje sustentam muitas famílias. Ele diz também que os programas de transferência de renda do governo, em algumas situações, podem desestimular a procura por emprego.”
Em outras palavras, a culpa de um problema dessa natureza não seria do modo de produção capitalista que, com as inovações tecnológicas, permite a demissão e a exclusão de milhares de trabalhadores do mercado. Aliás, neste contexto, foi criado até o termo “desemprego estrutural” – quando o indivíduo perde o emprego e a profissão por causa da tecnologia – para explicar algo que seria novo e aconteceria desde a década de 1970.
Na visão da TV Globo, os responsáveis por tal “fenômeno” seriam os próprios indivíduos ou governo que ofereceria programas que “[desestimulariam] a procura por emprego.” Não é citada a responsabilidade dos grandes empresários que são, efetivamente, aqueles que lucram com o modelo atual do neoliberalismo.
Só como forma de comparação, na reportagem do jornal de Portugal é enfatizado um ponto de vista mais próximo da realidade – especialmente no que diz respeito aos jovens:
“Têm entre 15 e 34 anos e, ao contrário do que seria de esperar, não estão na escola, mas também não conseguem entrar no mercado de trabalho. Estão, literalmente, desocupados. Em alguns casos, interrompem o ciclo e fazem biscates ou trabalhos precários. Depois voltam ao mesmo. Todos sentem que estão a ser esquecidos e desperdiçados. Para todos, os dias parecem intermináveis.”
Toda essa discussão revela que a realidade aparece cada vez mais complicada para a maioria das pessoas. Mais do que isso, mostra ainda, como no caso da TV Globo, que certos meios de comunicação, ao invés de tratar o que efetivamente acontece, preferem “editar” o que seria a realidade e divulga uma versão que omite os verdadeiros responsáveis pelo problema e procura colocar nos próprios indivíduos a culpa por não trabalharem.
(*) IBGE indica aumento de brasileiros que decidem parar de trabalhar - segundo pesquisa de emprego de abril deste ano, 17 milhões de brasileiros, em idade economicamente ativa, estavam fora do mercado por opção. Jornal Nacional, 04-06-2014. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/06/ibge-indica-aumento-de-brasileiros-que-decidem-parar-de-trabalhar.html
(**) Raquel Martins. Portugal já tem quase meio milhão de jovens que não estudam nem trabalham. Público, 24-11-2013. http://www.publico.pt/portugal/noticia/portugal-ja-tem-quase-meio-milhao-de-jovens-que-nao-estudam-nem-trabalham-1613702#/0